Os “sábados” em Colossenses 2:16
“Portanto, ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados”. (Colossenses 2:16)
Tradicionalmente, como igreja, ensinamos que os “sábados” mencionados por Paulo em Colossenses 2:16 se referem aos sábados “cerimoniais”, ou seja, festas israelitas também chamadas de “sábados” (ver Levítico 23) pelo fato de haver descanso inclusive em tais celebrações.
Em 2008, Ron du Preez, em um estudo exegético, linguístico, estrutural, sintático e intertextual de Colossenses 2:16, pareceu comprovar essa tese original ensinada pelos adventistas e por teólogos batistas como Robert Jamieson, A. R. Fausset e David Brown, no Commentary Critical and Explanatory on the Whole Bible. Segundo Preez, os “dias de festas” dizem respeito às “três festas de peregrinação da Páscoa, do Pentecostes e dos Tabernáculos”; a “lua nova” se refere à festa mensal; e os “sábados” se referem às três celebrações adicionais das “Trombetas”, do “Dia da Expiação” e dos “Anos Sabáticos”.[1]
Todavia, os teólogos adventistas especialistas no Novo Testamento, entre eles Samuele Bacchiocchi[2] e Wilson Paroschi (em suas excelentes aulas de teologia), têm interpretado Colossenses 2:16 de maneira diferente. Para eles, a ordem “dias de festa, lua nova e sábados” se refere a três períodos: um anual (no qual os sábados cerimoniais já estão incluídos), um mensal (a festa de Lua Nova era mensal) e outro semanal (sábado do sétimo dia). Isso parece ser apoiado por outros textos do Antigo Testamento onde a mesma sequência mensal-anual-semanal aparece: Isaías 1:13, Ezequiel 45:17, Oséias 2:11, etc.[3]
Isso significa, então, que Paulo estaria abolindo o quarto mandamento? Com certeza, não. Até mesmo teólogos observadores do domingo reconhecem isso, pois Paulo lida com um problema muito específico na igreja de Colossos, que envolvia ensinos heréticos e de natureza gnóstica, entre eles a adoração a anjos (Colossenses 2:18) e rigor ascético para com o corpo (Colossenses 2:20-23).
Em Colossenses 2:16, Paulo não estaria atacando os dias festivos e o sábado semanal em si, mas sendo contra uma heresia que colocava tais celebrações num contexto pagão, ofuscando desse modo a pessoa de Jesus Cristo (cf. Colossenses 2:17).
Veja o que diz o comentário do teólogo protestante Ralph P. Martin, publicado pela editora Vida Nova em 1984:
“Os dias santos, sejam anuais, mensais ou semanais, também eram assunto de controvérsia em Colossos. Aqui, também, o princípio radical deve ser notado. Paulo não está condenando o uso dos dias e tempos sagrados. Nem tem em mente a observância judaica destes dias como uma expressão da obediência de Israel à lei de Deus e um sinal de sua eleição […] O que é seu princípio aqui é o motivo errôneo envolvido quando a observação dos festivais santos fica sendo parte da adoração defendida em Colossos como reconhecimento dos ‘elementos do universo’, os poderes astrais que dirigem o curso das estrelas e regulam o calendário. Devem, portanto, ser aplacados”.[4]
Nossos irmãos evangélicos costumam usar também Isaías 1:13 e Oséias 2:11 para “apoiar” a abolição do sábado. Porém, uma leitura simples e contextual de tais textos revela que Deus está sendo contra não as festividades que Ele mesmo estabeleceu, mas sim contra o culto hipócrita, que desvincula a adoração do estilo de vida.
Desse modo, independente da interpretação que usemos para Colossenses 2:16, o fato é que Paulo em hipótese alguma está menosprezando a observância de um dia santificado por Deus na criação (Gênesis 2:1-3), celebrado por ele mesmo “segundo seu costume” (Atos 17:2), até mesmo em territórios pagãos, onde não havia sinagogas judaicas (Atos 16:13).
A observância do sábado, quando feita da maneira correta e não legalista (ou liberal), nos recorda que só podemos ser pessoas melhores por meio da graça de Deus, não por nossas próprias obras que são comparadas a “trapo de imundícia” (Isaías 64:6):
“E também lhes dei os meus sábados, para que servissem de sinal entre mim e eles; para que soubessem que eu sou o Senhor que os santifica” (Ezequiel 20:12).
A doutrina do sábado nos mostra que somos justificados e santificados pela fé em Cristo (Atos 26:18), não por nosso comportamento. Uma vida obediente não é mais do que o resultado da transformação efetuada pelo Espírito ao longo de toda a vida (Hebreus 8:10). Vida essa que terá altos e baixos enquanto não formos libertos da presença do pecado no momento da glorificação (cf. 1Coríntios 15).
Queira você ou não, o mandamento do sábado continua em vigor, e sua obediência a este eterno preceito divino (Mateus 5:17-19) não lhe torna aceito (a) diante de Deus. Gosto dos paradoxos divinos porque nos tornam humildes e dependentes do estudo sério de Sua Palavra, se quisermos entendê-los devidamente.
[1] Veja Ron du Preez, Judging the Sabbath: Discovering What Can’t Be Found in Colossians 2:16 (Berrien Springs, MI: Andrews University, 2008).
[2] Samuele Bacchiocchi, The Sabbath in the New Testament: answers to questions (Berrien Springs, MI: Biblical Perspectives, 1985), p. 108-117.
[3] Por sua vez, Kenneth A. Strand sugere que Paulo pudesse estar “usando um dispositivo literário comum de paralelismo invertido, partindo de festas anuais para mensais e depois retornando às festas anuais” (ver Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia [Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2012], p. 563). Todavia, o referido teólogo não fecha a questão, reconhecendo que as demais interpretações também são possíveis. Mesmo assim, ele conclui: “[…] a bem comprovada prática de observar o sábado pelos apóstolos contraria frontalmente toda e qualquer tentativa de usar Colossenses 2:16 como evidência de que o sábado do sétimo dia foi ab-rogado” (Ibidem, 564).
[4] Ralph P. Martin, Colossenses e Filemon – Introdução e Comentário (São Paulo: Vida Nova, 1984), p. 100, 101.